LABIA – Residência de Joana Castro
- Performance
- transdisciplinar
Date
- Mai 12 - 31 2024
Time
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“LABIA – parte do corpo que se parece com um lábio; tentativa de convencer alguém através de discurso astucioso, palavreado, manha, astúcia; (Portugal:Minho) Relicário; Inseto ortóptero corredor; conjunto formado pelos pequenos e grandes lábios da vulva.
LABIA é um projeto em contínua investigação a partir da afirmação de Monique Wittig “As lésbicas não são mulheres” e nos múltiplos caminhos que se seguiram após, como as questões de performatividade de género e a desconstrução total da ideia de que sexo é meramente biológico por Judith Butler ou outras pensadoras e pensadores como Paul B. Preciado, que analisam e questionam as normas políticas e as atuais estruturas sociais, culturais e sexuais.
Para Wittig, as lésbicas, mesmo estando dentro da heterossexualidade como regime político não participam deste. Não têm uma relação amorosa com homens, não têm sexo com homens, não dependem de homens economicamente, nem produzem um vínculo com estes. De outro modo, as lésbicas de Wittig não são cis porque não são mulheres, são desertoras. Amazonas, monstras mitológicas que sobrevivem na memória dos nossos corpos até hoje. Essas mesmas monstras ameaçam as heteronormas de reconhecimento que as excluíram, pondo em causa a estabilidade, questionando a tranquilidade do estatuto humano, denunciando a pureza e a impureza de todo o corpo, rompem o binário, violam a regularidade, o pudor, fazem política com o seu corpo, destruindo as normas morais, expressando as suas formas de vida como resistência. Desestabilizam, sacodem, transtornam, mobilizam, afetam, contaminam e agitam as águas, fazendo com que outras vidas sejam possíveis de serem vividas – mais fortes, mais alegres, mais potentes – no aqui e agora.
Este projeto de investigação assenta na construção de um corpo-monstra com várias monstras dentro, na descoberta das suas infinitas possibilidades de destruição e (re)construção. Um corpo nascido na falha de um regime político hétero-capitalista. Um corpo abominável, que se permite a existir nas profundezas, abalando territórios cimentados e um sistema corrupto e corrompido. Como uma raiz que nasce das pedras e se propaga, abrindo fissuras em paradigmas estabelecidos. Um corpo em constante devir, nunca humano, mas à margem da humanidade, no limite, sem território, mas empoderado. Um devir-sereia que mergulha nas profundezas da ancestralidade numa nova forma de conviver com os animais, com os mortos e com o planeta como cadáver e fantasma. A celebração de um luto. Como consequência, uma relação com a morte e uma iniciação à vida, “num sistema de comunicação interspécies”, sem soberania nem hierarquia. Um corpo feminista animalista – não humanista e não naturalista. – “O animalismo é um feminismo expandido e não antropocêntrico.” Paul B. Preciado.
Uma figura disforme, na sua expansão e transmutabilidade. Com as entranhas do avesso na língua, num esgar abissal. Um corpo subversivo que se reconhece na sua essência e mais além.
Como construir um devir-animal-máquina, quando um corpo assignado como “mulher”, “animal” e “máquina reprodutiva” é destruído e contruído na sua potência tecno-viva?
Sendo a minha obra autobiográfica, inevitavelmente a vida e a arte se aproximam, num cruzamento onde os limites são quase impercetíveis. Para além de questões como a morte, o luto, a destruição, a falha e rituais de fim atravessarem a minha vida pessoal e invadirem as minhas criações, as questões de género são transversais ao meu universo criativo, numa pesquisa de um corpo que desconstrói a sua imagem e opera em estados ENTRE – no limiar das fronteiras do humano, sem género.
Enquanto pessoa lésbica não-binária, cuja existência mina a própria norma de um regime político hétero-capitalista, e que todos os dias enfrenta o conflito entre o que é suposto ser-se e a escolha do que se é e/ou quer ser, procuro um devir-outras, sem fixação ou encerramento num único plano existencial e condicional desafi(n)ando essas mesmas normas, enquanto pessoa e artista.
“O corpo nunca é alienado do seu contexto, este é situado, e na sua condição material é determinado, mas o que se chega a ser, é uma escolha, mesmo que condicionada por essa materialidade difícil de se desconstruir, que é o corpo.” Fernanda Henriques.
Nascemos já com o condicionamento social e cultural, sendo impossível ver o mundo com total transparência, e à medida que vamos crescendo mais filtros são adicionados apertando o cerco e nos condicionando, e sem darmos por isso, já somos parte integrante de um sistema de controlo como seres vigiados e vigilantes. O sistema perfeito de controlo e produção de seres sujeitos à sua subjetividade hétero-capitalista.
“Os desejos do corpo do devir lesbiano mutante não podem ocupar o lugar do humano e não devem lutar por um lugar onde se encontra o sujeito da masculinidade hegemónica heterossexual” Leonor Silvestri em “Primavera com Monique Wittig”.
A tarefa do corpo de devir lesbiano mutante é a demolição desta civilização desde a sua fundação, no reconhecimento de estruturas estruturantes das nossas vidas que excluem e descriminam, denunciando-as e destruindo-as.
São urgentes figuras mutantes que expressem os limites das categorias identitárias e as suas interseções. Misturar os géneros e metamorfosear os corpos para além das categorias de identidade, dispersar a subjetividade humana em “pós-agenciamentos animal-máquina-plataformas-de-
Não esquecendo a linguagem como sistema de valor que torna o mundo em que vivemos real. Só acedemos ao mundo que concetualizamos e nomeamos, e, portanto, urge compreender que tudo o que não existe na linguagem não existe no nosso mundo, logo há que romper com medos e preconceitos, em busca da transformação da linguagem de modo a incluirmos e não descriminarmos. Há que “desnaturalizar” o que temos como “natural”, reconhecendo e destruindo as estruturas descriminilizadoras e procurar novas estruturas de racionalidade. (Re)significar, (re)construir conceitos e modos de operar inclusivos.
Interessa-me numa pesquisa mais prática o uso da língua, enquanto parte do corpo que mistura os alimentos, contribui para a ação de engolir, expelir, molda as palavras, dá sonoridades e texturas ao som, como a possibilidade de uma nova língua/linguagem LABIANA, onde não há lugar à sectorização e hierarquização.
Durante o meu percurso individual e artístico, tenho vindo a realizar uma experimentação e investigação incessantes, numa busca de atingir uma certa profundidade, entre mergulhos na escuridão e regressos à luz, com os seus desvios e redescobertas.
Tendo nos meus últimos projetos, dirigido outras pessoas numa procura de relação entre o meu e outros universos pessoais e artísticos, este momento é de um regresso a uma pesquisa do meu próprio corpo enquanto matéria, como um situar, um reconectar e um redescobrir de outras composições que fazem parte deste ser e deste corpo agora, numa relação, que se pretende horizontal, com outros elementos como o desenho de luz (de Vera Martins) que definirá arquitetonicamente o espaço cénico, e o desenho sonoro (artista a definir) que se criará em conjunto com eletrónica e instrumentos de sopro na relação com a voz deste corpo. A performance se construirá paulatinamente num mergulhar e confluir de todos os elementos que a compõem. Sendo por isso um projeto com uma direção artística, mas de colaboração entre artistas numa escuta permanente e construção coletiva.”
Joana Castro
Ficha artística e técnica:
Conceção, direção artística, performance, texto e voz_Joana Castro
Paisagem Sonora_Kali
Desenho de luz e espaço cénico_Vera Martins
BIO:
Joana Castro (ile/ela/they/she).
Artista desenvolve os seus projetos entre a dança, a performance e o som, tendo apresentado algumas das suas obras em Portugal, França, Bélgica, Alemanha e Brasil. Das suas criações na área da dança/performance destaca “Perto… tanto quanto possível” (2014), “EVERLASTING” (2016), “SU8MARINO” (2017/18), “RITE OF DECAY” (2019/20), “STILL we MOVE” (2021), “Darktraces” (2021) e “Darktraces: on ghosts and spectral dances” (2022).
Para além de questões como a morte, o luto, a destruição, a falha e rituais de fim atravessarem a sua vida pessoal e invadirem as suas criações, as questões de género são transversais ao seu percurso, numa pesquisa de um corpo que des(re)constrói a sua imagem e opera em estados ENTRE – no limiar das fronteiras do humano, sem género. Desenvolve LABIA, um projeto de investigação transmutante e de carácter processual permanente, com diversas residências artísticas e apresentações durante 2023 e 2024.