vaca encontra o rio – Residência de Carolina Canteli
- Performance
- transdisciplinar
Date
- Ago 07 - 13 2023
- Expired!
Time
- All Day
The event is finished.
vaca encontra o rio tem a ver com demorar-se nos gestos. ruminar o tempo como uma vaca rumina o capim e investigar a duração de cada gesto a partir da fruição deste enquanto paisagem. mas o que começa como um permanecer nesse tempo suspenso numa foto de uma vaca iluminada no seu habitat íntimo, seguido de sua ritmada fluência do encontro dela com o seu próprio rio, agita-se uma pergunta incontornável: pode uma vaca não ser abatida e nem abatimento fora deste lugar criado por ela mesma?
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primeiro, esse grande animal pesado e largo está sentado e move-se muito pouco. ao perceber a luz coreografando o que chamam de passagem do tempo, que nada mais é que a transformação da incidência de luz vista pela janela de uma casa, a vaca toma sol no conforto da sua intimidade. repousa, fecha os olhos e toma a tal luz solar como quem a bebe e a engole pela garganta. ilumina a visão, mesmo de olhos fechados e absorve o calor que acaricia seus pelos. percebe a duração dos momentos pelos feixes de luz, que tingem de matizes distintas a pele das coisas.
depois, acontece o momento de balançar, sacudir o mundo pelo rabo e com a imaginação. enquanto o quadril provém a cadência de um rabopêndulo, as mãos fluem como num rio de palavras que nunca foram ditas. ao invés de dizer discursos, movimenta-os. e no meio do caminho, no entre esses dois mundos, o que é dito superior e inferior dessa paisagem corpo, estão lá os mamilos – ingovernáveis. as tetas da vaca libertas e sendo o elo imoral. elas se deformam e seguem pra onde querem seguir, comunicando cima e baixo, ritmo e melodia – constância e bestialidade.
afinal, e no final, a vaca conspira, respira e duvida. o que começa muito delineado e calmo, já borrou-se e ela movimenta-se hesitante na penumbra. fica a pergunta cinzenta: é possível negar o que esta por vir? ela se lembra que ao final da performance, chega também o final de sua paz. ela questiona se é possível fugir de ser atingida pela ordem do esgotamento. a vaca que decidiu não ser abatida, afinal demonstra algum abatimento. acabou-se o que era doce e o tempo suspenso voltará a ser o tempo medido pelo tanto que sua carne pode ser moída. ela flutua nessa contradição e se pergunta: como faço para adiar o (meu) fim?
“De que modo o tempo se faz sentir numa tomada? Ele se torna perceptível quando sentimos algo de significativo e verdadeiro, que vai além dos acontecimentos mostrados na tela; quando percebemos, com toda clareza, que aquilo que vemos no quadro não se esgota em sua configuração visual, mas é um indício de alguma coisa que se estende para além do quadro, para o infinito: um indício de vida. Como o infinito da imagem, a que nos referimos anteri ormente, sempre há mais num filme do que aquilo que se vê – pelo menos, se for um verdadeiro filme. Sempre descobriremos nele mais reflexões e idéias do que as que ali foram conscientemente colocadas pelo autor. Assim como a vida, em constante movimento e mutação, permite que todos sintam e interpretem cada momento a seu próprio modo, o mesmo acontece com um filme autênti co; ao registrar fielmente na película o tempo que flui para além dos limites do fotograma, o verdadeiro filme vive no tempo, se o tempo também estiver vivo nele: este processo de interação é um fator fundamental do cinema.” (TARKOVSKI, 1998, pgs 139 e 140).